Hery Paz (saxofone tenor), Javier Moreno (contrabaixo) e Marcos Cavaleiro (bateria) formam os Vessel Trio, grupo de união transatlântica, com Paz, natural de Cuba, e Moreno, natural de Espanha, a residirem em Nova-Iorque, ao passo que Cavaleiro é residente em Portugal, sendo um dos mais experientes percussionistas do jazz nacional. O trabalho de Cavaleiro é já de conhecimento de todos, com o baterista a ser membro de inúmeros grupos e formações onde tem demonstrado a sua versatilidade e rigor enquanto músico. Além disso, no ano passado, lançou o álbum Sete, no qual, pela primeira vez, liderou um quinteto que interpretou composições da sua autoria. De Hery Paz conhecemos-lhe o gosto pela colaboração com gente da vanguarda jazzística nova-iorquina, gosto esse que o levou, por exemplo, a recentemente participar no trabalho de Francisco Mela MPT Trio Volume 1 (2021, 577 Records) e no Ímpetu de Juanma Trujillo (2021, Falcon Gumba Records), ou a colaborar com o génio Cooper-Moore ou o virtuoso Miguel Zénon, para nomear apenas alguns nomes sonantes. Já o contrabaixista Javier Moreno, além de três discos como líder e compositor lançados pela catalã Fresh Sound New Talent, tem igualmente colaborado com músicos de vanguarda, entre eles o ecléctico percussionista Gerald Cleaver, o visionário Tim Berne ou o sempre desafiante Craig Taborn. 

Em resultado dos instrumentos tonais deste Responde Tu serem tocados por músicos residentes fora de Portugal, este é um álbum que retém pouco da sonoridade jazzística tradicionalmente portuguesa, explorando, antes, vertentes musicais contemporâneas e avant-garde, principalmente aquelas que precisamente se têm vindo a desenvolver em território nova-iorquino. Escuta-se, por isso, neste disco, uma musicalidade que, pelo menos em espírito, é reminiscente do loft jazz da década de 70, espírito esse que certamente continua em parte vivo no presente, trazido pela criatividade de músicos como William Parker e Daniel Carter (além de, claro está, Cooper-Moore), os quais serão, pois claro, conhecidos de Hery Paz, a julgar pelas suas ligações à 577 Records. E é realmente a esta tradição loft jazziana, assim como ao free jazz dos anos 60, soprado por nomes como Albert Ayler e Ornette Coleman e actualmente reencarnado na música pós-estruturalista de saxofonistas como Stephen Gauci, que Paz vai beber no seu fraseado, sempre oscilante entre o concreto e o abstracto, ora definindo uma melodia e por ela se guiando, ora a definindo para logo a rejeitar, ou ainda, simplesmente, rejeitando-a a priori, e portanto nada definindo, apenas vagueando a bel-prazer, esboçando formas e geometrias de possibilidades que se sublimam para dar espaço a outras, que se lhes seguem em sequência. Pela imprevisibilidade e desconstrução que são requeridas a cada momento, Cavaleiro encaixa perfeita e suavemente neste trio. Sempre atento, rigoroso e criativo, o baterista exponencia a expressividade dos seus companheiros nos 6 temas que formam este álbum, acompanhando-os em profundidade e amplitude com a concisão rítmica que já lhe é habitual, qualidade que faz de Cavaleiro um músico de palavras certas: nem muitas, nem poucas, apenas as que são exactamente necessárias em modo e abundância. Não deixa, contudo, de ser importante relembrar que a sua versatilidade nunca deixa de surpreender: é um deleite tanto ouvi-lo (e ao resto do trio, verdade seja dita) a swingar com notável à-vontade no início de “Agno 3”, como a explorar livremente as potencialidades tímbricas e rítmicas dos pratos e timbalões em temas como “Responde tu”, “Dibujo” e “Mezcal”, ou ainda em abordagens precisamente contemporâneas, isto é, que comportam uma abordagem moderna à bateria jazz, tais como as que se escutam em “Obama+Lu”. E como tudo o que na vida é vivo e dinâmico, estas abordagens estilísticas mesclam-se, fundem-se e confundem-se, amiúde surgindo num contínuo de difícil compartimentalização que é demonstrativo do alcance sintático deste trabalho, já que o seu simbolismo semântico é deixado à mercê da interpretação livre e subjectiva do ouvinte, incitado a responder-lhe a gosto, tal como é evidente pelo título do álbum - Responde tu. Uma palavra final em relação à prestação de Javier Moreno: ora em arco (como se escuta em “Dibujo”), ora com os dedos (pizzicato, legato, staccato, col legno, etc.), o contrabaixista apresenta domínio total do instrumento, quer na sua componente rítmica quer melódica. Peter Kowald e Charlie Haden são nomes que surgem como ecos que ressoam das grossas cordas de Moreno, que completa este triângulo como vértice necessário e vital para a sua existência. 

É um prazer ouvir este Vessel Trio, navio que voga livre no vasto Oceano Atlântico. Sabemos que partiu de Nova-Iorque, pois Cavaleiro para lá viajou, musicalmente falando, tendo-se adaptado melifluamente aos sons da costa leste dos Estados Unidos da América. Cada um dos possíveis destinos desta viagem é, em si mesmo, um tema: há que viajar com o trio para se descobrir para onde se move. Freedom pill em estado puro e sem requerimento de prescrição.