“Quando as gerações futuras ouvirem os sons do início deste milénio, que música restará para definir a era?”. É uma questão pertinente, carregada de futurismo e faro visionário, que nos é lançada nas notas de apresentação de Music From the Early 21st Century, álbum capturado ao vivo durante uma curta tour pelo noroeste dos Estados Unidos, no início de 2019, que reuniu Bobby Previte (bateria), Jamie Saft (Hammond organ, Fender Rhodes e MiniMoog) e Nels Cline (guitarra eléctrica e efeitos),  trio de músicos habituados a explorações pelo domínios do jazz e avant-garde. Apesar da ressalva de que, dependendo do quão afastados nos encontremos do ano 2020, este poder ser ainda considerado, legitimamente, parte do início do século XXI, é, porém, difícil não remeter a sonoridade aqui apresentada para uma recente altura da história que viu, não só, surgir bandas como Earthless, em 2001, ou os portugueses Black Bombaim, em 2008, mas, também, em que grupos emblemáticos da estética rock stoner/psicadélico nos anos 90, como Sleep ou Colour Haze, ganharam visibilidade junto de um público mais mainstream. Recorro a estas referências pois este disco é uma viagem de rock psicadélico instrumental, com certos toques de uma vanguarda mais ousada e experimental, assim como com certas reminiscências de harmonias e progressões mais jazzy. No entanto, acima de tudo, o cativante de Music From the Early 21st Century é o facto de uma improvisação de carácter totalmente exploratório ter resultado numa tão interessante navegação cósmica que passo agora a descrever…

“Photobomb” inicia a jornada num ritmo uptempo para que o trio dê ares de sua graça e comece definir o ambiente do concerto. Desta feita, por entre uma chuva de efeitos, riffs e progressões épicas, o grupo avança para “Paywall”, faixa que tem como base uma fusão de hard rock, música experimental e rock psicadélico. Já “Parkour” tece um tecido etéreo que funciona como preâmbulo para a seguinte viagem espiritual - “The Extreme Present” -, onde a bateria de Previte se assume krautrockiana, a guitarra de Cline ora se aventura por solos psicadélicos, ora se prende num repetitivo loop - simbolismo do mote “viagem sem movimento” tão presente neste disco -, e as teclas lisérgicas de Saft regressam aos anos 60 para nos trazer à memória Ray Manzarek. “Totes” explora harmonias mais jazzy e permite que trio frene o embalo para que, por instantes, regresse à terra. “Occession” descola com lentidão em direcção a uma espiral de 14 minutos de experimentação, psicadelismo e cacofonia que poderia muito bem ter saído de um disco dos Gnod. “The New Weird” é de carácter mais espiritual e sideral, momentum que é transportado para “Machine Learning” onde são exploradas melodias orientais que degeneram numa improvisação drone. Já “Woke” acumula, progressivamente, energia potencial que é, por fim, libertada sob a forma de energia sonora. “Flash Mob”, faixa términa, substitui a estética psicadélica pela industrial - escutam-se sons semi-robóticos, beeps e boops, ruidos metalizados -, para, por fim, fechar o ciclo e regressar à sonoridade psicadélica de partida.

Em pleno 2020, numa altura em que o rock psicadélico instrumental readquiriu o estatuto underground que possuía no período do “Early 21st Century”, é interessante escutar uma abordagem fresca a este tipo de viagens cósmicas e abstractas, especialmente vindo da parte de um trio do qual sabemos que esta é apenas uma paragem esporádica, a ser adicionada ao já eclético e diversificado currículo que cada um dos músicos possui. Assim, não posso deixar de recomendar a que nos tornemos cosmonautas por momentos e que embarquemos nesta jornada que se constrói sobre ela própria e ganha significado há medida que progride. Ah! E um facto curioso: a imagem da capa, capturada pelo telescópio espacial Hubble, é o registo de uma das mais primordiais imagens que temos, até à data, do nosso universo, revelando o nascimento galáxias pouco mais de meio bilião de anos após o Big Bang. Maravilhoso, não é?