Após um percurso onde começou por estudar violino e piano clássico, Eunyoung Kim virou-se para o jazz aquando do seu ingresso na universidade, momento que marcaria o início de uma viajem pelo mundo para estudar música: passou pela Dongduk University, a Berklee School of Music e pelo New England Conservatory. Finalmente, após terminar os estudos, em 2013, Eunyoung Kim regressou à Coreia do Sul para prosseguir a carreira como pianista, tendo desde então colaborado nos álbuns do Sungjae Son’s Trio e em projectos como o Road to Home dos Three Quartet. Já mais recentemente, em 2018, editou o seu disco de estreia, Silent Child, um álbum integralmente formado por composições originais. Para além desta faceta de compositora e intérprete, Eunyoung Kim é também activa como improvisadora, tendo recentemente lançado Pulse Theory, uma edição da Ghettoalive Records, trabalho que consiste numa sessão de improvisação livre gravada juntamente com o saxofonista Sunjae Lee o baterista Dayeon Seok.

Neste Earworm - um registo gravado espontaneamente e ao longo de um par de horas, em Julho de 2020 -,  a pianista apresenta um solo de improvisação na interface entre o jazz e a música clássica onde explora sonoridades de uma riqueza técnica e criativa apenas acessível a grandes músicos. A abundância técnica e estilística de Eunyoung Kim é aqui expressada em vários dimensões: o treino clássico que a condicionou está visivelmente espraiado na sua técnica, sendo que as suas competências jazzísticas são mais visíveis através do carácter improvisativo da gravação.

Dada a profundidade musical de Earworm, facilmente poderíamos colocar este disco ao lado de icónicos solos de piano: amiúde sentem-se laivos do gosto pela dissonância abundante no Open to Love de Paul Bley ou, para referir um exemplo mais recente, da fusão jazz-clássica presente no Promontoire de Benjamin Moussay. Em termos estéticos, várias faixas de Earworm são tudo menos melodiosas, com devaneios turbulentos e tempestuosos que nos remetem para as composições de Feinberg ou, até mesmo, Scriabin (ouça-se, por exemplo, os temas III, V ou IX). Já noutros temas, Eunyoung Kim pinta oníricas e meditativas paisagens, reminiscentes, por exemplo, de um Arborescence de Aaron Parks, aqui reimaginado num registo mais lo-fi. Nestes temas predominantemente contemplativos, a pianista não só abre espaço para nos familiarizarmos com o silêncio, como também adensa a atmosfera emocional do disco, deixando de parte as exuberâncias técnicas para incursionar por territórios esteticamente mais profundos e humanos. São exemplos desta musicalidade as faixas II,  IV ou  VI.

Earmworm não deixa lugar para dúvidas: Eunyoung Kim é, não só, uma pianista de uma enorme sensibilidade estética, como, também, de uma estrondosa capacidade técnica que deliciará qualquer ouvido atento. O uso de uma abordagem mecânica e, até certo ponto, agressiva e percussiva a que a pianista, por vezes, recorre ao longo da improvisação, é contraposta por momentos de um encanto musical de beleza extrema, dois pólos distintos que conferem a este álbum uma dinâmica que demonstra o vastíssimo reportório interior de que Kim é detentora. Assim, Earworm é um maravilhoso solo para piano que, indubitavelmente, merece um reconhecimento maior. Um álbum vivamente recomendado e que guardarei nos meus favoritos solos de piano deste ano.