Jorge Nuno enfrentou recentemente anos difíceis: foi vítima de um AVC, foi submetido a uma cirurgia ao coração e atravessou um longo e exigente período de recuperação. Apenas 9 meses após a operação, a 30 de novembro de 2023, o guitarrista baseado em Lisboa (Anthropic Neglect, Voltaic Trio, No Nation Trio, entre outros) regressou a estúdio para gravar o seu primeiro disco a solo, trabalho que chegou a público este ano através da mui recomendável etiqueta portuguesa Phonogram Unit.

Labirinto é o título deste álbum, que se ouve como um tratado anti-demonológico, cuja tese principal é, acima de tudo, a demonstração de toda vitalidade — criativa, musical e humana — que Jorge Nuno carrega dentro de si. Ao longo de oito temas completamente improvisados, o guitarrista explora uma musicalidade oceânica, sem fronteiras e indeterminada, que resulta de uma longa trajetória de possibilidades e condicionantes que culminaram na sessão gravada nos estúdios Namouche. Grosso modo despreocupado com regras e convenções, e sem a mínima intenção de criar algo que se assemelhe a “canções”, Jorge Nuno mergulha numa pesquisa sónica meditabunda e ruminativa, na qual aguarela acordes, esboça melodias e delineia paletes rítmicas.

A cada tema, o guitarrista resolve um novo quebra-cabeças, percorrendo caminhos que lhe são revelados em tempo real. A cada nota, a cada batida, a cada som, Jorge Nuno procura novas formas de expressão, encontrando saídas que até então lhe estavam veladas. Ao longo da audição, apercebemo-nos da nossa (humana) vertiginosa atração por abismos ontológicos: sob a égide da iluminação divina, aspiramos a sondar o caos, mesmo que o façamos por meio de uma visita controlada à escuridão. E, por isso, todos nós apreciamos labirintos — precisamente porque, embora neles nos possamos perder, sabemos que têm necessariamente um fim. Labirintos esses que Jorge Nuno, munido de uma vasta bagagem de técnicas extensivas, explora neste disco em solilóquios tautológicos — ora percussivos (“Sombras”), ora misteriosos e delicados (“Cérebro” e “Solidão”) — sem nunca perder o fio a um enredo que vai traçando com a sua guitarra, a sua mais íntima confidente, aqui completamente desprovida de ornamentações, pois acústica e sem efeitos, pura madeira e metal, precisamente os materiais que usa como pincel para pintar sobre o acrílico das peças “Esfera” e “Labirinto”.

Um álbum marcante nas expressões avant-garde e experimentais portuguesas de 2024, Labirinto demonstra com vigor toda a indomável veia improvisadora de Jorge Nuno, capaz de encontrar música mesmo nas geografias sónicas mais inóspitas.