Foram precisos 11 anos para que o trompetista Charles Tolliver regressasse às gravações e nos presenteasse, mais uma vez, com o intenso sabor do seu jazz. A julgar pela bela lição de post bop com que nos prenda neste Connect, podemos afirmar, com segurança, que a espera valeu a pena, embora desejemos que tão longo hiato não se volte a repetir. A gravação do disco foi realizada no contexto de uma tour, em Novembro de 2019, pelo Reino Unido, que o instrumentista e compositor realizou juntamente com Buster Williams (contrabaixo), Lenny White (bateria), Jesse Davis (saxofone alto) e Keith Brown (Piano). A este elenco de luxo juntou-se, especialmente para a gravação do disco, Binker Golding, que tocou saxofone tenor em dois temas (“Emperor March” e “Suspicion”). Desta forma, aproveitando a presença do trompetista e da sua banda em Londres, a Gearbox Records & Darrel Sheinman lograram a gravação deste tão esperado disco onde Tolliver demonstra sagazmente a necessidade da sua presença na actualidade do jazz.

Em termos musicais as composições de Connect são modais, com melodias coloridas e cativantes, e arranjos de um pormenor e detalhe que revelam a experiência de Tolliver com big bands (aliás, “Blue Soul” e “Emperor March” haviam sido já apresentadas neste formato). Os momentos de improvisação - que são frequentes e transversais a todos os temas - estão inseridos numa típica estrutura de head-solo-head, transpirando grandeza e inspiração. A atmosfera dos temas é, de modo geral, vibrante e triunfante: não há espaço para nostalgia ou tristeza; respira-se boa disposição, alegria e confiança. Ademais, facto curioso: Tolliver escreveu ghost lyrics para três das quatro composições que formam este disco, o que nos ajuda a contextualizar a temática de cada um deles e permite, assim, que o ouvinte transponha a opaca barreira que, na música instrumental, amiúde o separa da essência inspiracional do que escuta.

O tema de abertura, “Blue Soul”, é groovy e pulsante - “Blue Soul, makes me feel the pulse of life” -, com o grupo a servir-se da magistralidade musical da composição para incorrer numa enérgica e entusiasmante apresentação. “Emperor March” é uma composição inspirada na caminhada que os pinguins-imperadores fazem anualmente em direcção à Antártida para se reproduzirem e, assim, assegurarem a sobrevivência da espécie - “Each year they come to that land they call Antarctica/marchin’ to chosen place givin’ birth to their new Emperor Penguin’. A epicidade desta jornada é capturada pela melodia principal do tema, que abre espaço para que os sopros e o piano, à vez, improvisem livre e brilhantemente. “Copasetic“ apresenta mais reminiscências de hard bop - género que tanto distinguiu o tocar de Tolliver nos anos 60 ao lado de Jackie McLean - do que as restantes composições, com o trompete e o alto a surgirem muitas vez em uníssono e o baixo a ser tocado em mínimas, porém com o grupo a transitar para um abordagem modal aquando da hora de improvisar.  “Suspicion” fecha o disco num ambiente misterioso (“Jive contrive and not too cool, Suspicion all around”) que, gradualmente, se desembaraça do sufocante peso que inicialmente carrega para terminar num tom de superação e vitalidade (“Know for sure on what you hear, never speak what you don’t know, rise above the tricks that keeps us all apart, NO SUSPICION”).

Charles Tolliver prova em Connect que a sua música nunca foi tão presente e necessária: não é um trabalho arrojado do ponto de vista formal, mas a qualidade das melodias, dos arranjos, e das interpretações fazem-nos ter esperança que possamos ouvir novas composições do trompetista num futuro próximo. Uma lição de jazz, uma lição de post bop.