
O jazz do Reino Unido está em todo o lado: vemos os seus músicos serem caras das mais trendy campanhas de moda e publicitárias, ouvimo-lo nas rádios ditas comerciais, faz capas de revistas que não são da especialidade e, não menos importante, sentimos a sua presença e influência no tecido cultural da época. Podemos dizer, inclusive, que o jazz britânico é, agora, mainstream, com todas as óbvias desvantagens que isso acarreta: os mais desconfiados afirmam que perdeu a génese jazzística e que esta é, agora, apenas mais um dos elementos da complexa mescla que constitui a sua versão actual. Enfim, categorizações à parte, a verdade é que o jazz que se faz no Reino Unido continua a ser de grande qualidade e a marcar tendências. Porém, longe se encontram os tempos em que músicos muitíssimo talentosos como Ronnie Scott, Tubby Hayes ou Alan Wakeman (por ordem cronológica) viviam na sombra do estrelato do jazz americano ou, até mesmo, do jazz europeu para o qual os anos 60 foram de definição e a década de 70 de cristalização de uma identidade. Ademais, verdade seja dita, a música dos intelectuais britânicos sempre foi a música erudita, com o jazz a surgir na paisagem sónica de forma muito semelhante àquela que ocorreu na fonte, estando maioritariamente associado aos clubes e à vida nocturna. É, portanto, com grande agrado e entusiasmo que se recebem actos de revivalismo desse período tão subvalorizado do jazz britânico: veja-se, por exemplo, a recente edição da colectânea The Complete Fontana Albums de Tubby Hayes pela Decca Records, a qual foi concebida a partir das fitas originais que foram submetidas a um processo de remasterização nos estúdios da Gearbox Records. Outro memorável exemplo deste revivalismo vem agora a público com The Octet Broadcasts - que, à semelhança do The Complete Fontana Albums, sofreu o mesmo processo de remasterização das fitas originais nos estúdios da editora londrina -, um álbum de música inédita do saxofonista britânico Alan Wakeman.
Alan Wakeman tem sido activo na cena musical britânica desde os anos 60. O músico - que, a título de curiosidade, é primo de Rick Wakeman, teclista dos Yes e que ensinou Alan a tocar clarinete - é frequentemente associado ao baterista de free jazz Paul Lytton, assim como ao contrabaixista Graham Collier, aos míticos Soft Machine (com quem gravou o álbum “Softs”), e ao pianista Mike Westbrook. Neste The Octet Broadcasts são reunidas duas sessões de rádio gravadas para programas da BBC que ocorreram em 1969 e 1979, e nas quais Wakeman apresentou dois octetos distintos que representavam os músicos de ouro do jazz britânico daquelas épocas. As composições escritas por Wakeman reflectiram o conceito de Ellington de “músicos a fazerem a música”, isto é, tal como explicado pelo próprio à London Jazz News, “Duke Ellington expandiu o conceito de liberdade em pequenos ensembles através da apresentação de arranjos completos dedicados a um músico e à sua abordagem exclusiva. Simplesmente tentei manter a tradição - liberdade dentro de uma estrutura ‘útil’. ”
No concerto de 1969, gravado para o programa Jazz Workshop e apresentado por Brian Priestley, Wakeman (saxofone alto e tenor), à data um jovem de 22 anos, tocou ao lado de Alan Skidmore (saxofone tenor), Art Themen (saxofone tenor), Henry Lowther (trompete), Paul Rutherford (trombone), Gordon Beck (piano), Chris Lawrence (contrabaixo) e Nigel Morris (bateria). São três os temas apresentados - “Dreams”, “Forever” e “Merry-Go-Round” - que sonicamente oscilam entre o post/hard bop e momentos de exuberante e pura cacofonia próximos do free jazz. Já no concerto de 1979, gravado para o programa Jazz in Britain e apresentado por Charles Fox, Wakeman (saxofone tenor e clarinete) fez-se, novamente, acompanhar por Skidmore (saxofone tenor, flauta e gongo) e Rutherford (trombone e gongo chinês), assim como por Paul Nieman (trombone e gongo chinês), John Taylor (piano e castanholas), Lindsay Cooper (contrabaixo e gizos), Mike Osborne (saxofone alto, clarinete e tamborim) e Paul Lytton (bateria). O jazz dos cinco temas tocados - “Chaturanga”, “Manhattan Variation”, “Vienna”, “Robatsch Defense” e “Kingside Breakthrough” - é claramente mais moderno, incorporando, inclusive, influências orientais, consequência de uma tour pela Índia que Wakeman realizou juntamente com Collier, em 1979. Mais uma bela sessão, pois claro.
The Octet Broadcasts é um registo essencial da história do jazz britânico e um disco de audição obrigatória. O seu valor é inegável, não de uma perspectiva puramente histórica, mas também pela intrínseca qualidade musical e performativa. Não se pode também deixar de enaltecer o fantástico trabalho que a Gearbox Records tem desenvolvido na recuperação destes importantes pedaços de história que, caso contrário, permaneceriam perdidos no tempo e na frenética roda de consumo rápido da sociedade contemporânea. Que venham mais destes!
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