Looking At The Surroundings é um registo que apresenta gravações realizadas no clube Nota 79, em 17 de Julho de 2019, e na La Pedrera, em 27 de Julho de 2018, nas quais ouvimos o quinteto liderado por Felix Rossy a dedicar-se ao que melhor sabe fazer: tocar jazz com desenvoltura e, dessa forma, fazer a si render a plateia que a estes concertos assistiu, claramente encantada pela prestação do grupo, tal como se pode ouvir pelas palmas entre temas. E não seria de esperar menos, pois estamos perante um autêntico tanque musical, robusto e implacável, com grandes músicos que apresentam uma simbiose impecável que exponencia as qualidades individuais de cada um. Aliás, é dito em notas de apresentação que este álbum é a forma de Felix Rossy se opor “ao actual clima geral de individualismo e fazer um apelo à colectividade”. Olhar para o que nos rodeia é, então, a proposta deste trabalho, título que também dá nome à primeira faixa do primeiro disco do Felix Rossy Quintet. 

E é sem rebuço que podemos afirmar que foi em boa hora que esta gravação foi realizada, pois estamos perante um imparável quinteto que, com destreza, flui por vários territórios jazzísticos. O grupo é composto por Felix Rossy (trompete), Tomeus Garcias (trombone), Davis Whitfield (piano), Ben Tiberio (contrabaixo) e Andreu Pitarch (bateria). Além disso, ao quinteto juntou-se também a doce voz de Rita Payès - que também toca trombone numa faixa -, alguém que, curiosamente, me foi recomendado gentilmente pelo sempre surpreendentemente assustador, mas muitas vezes certeiro, algoritmo do youtube, entidade de inteligência artificial que porventura sabe mais sobre mim do que eu mesmo. E assumo que, desta vez, acertou na mouche: Payès é, indubitavelmente, alguém que fará ondas mesmo em domínios musicais que transcendem o jazz – a cantora e instrumentista tem um sentido musical elevado, toca e canta muito bem e, para além disso, tem um álbum no forno, a ser lançado em Março, que com certeza merecerá uma audição cuidada.  

Mas regressando a Looking At The Surroundings - que é descrito por Rossy como “íntimo, misterioso e poderoso” -, o disco inicia-se com “Changes”, um tema da autoria do baterista Pitarch: post-bop acelerado, cheio de dinâmica e interacções, muito vívido e animoso. Segue-se-lhe “Looking at the Surroundings”, tema homónimo que acalma os ânimos exaltados pela faixa anterior, trazendo a tranquilidade ao quinteto através de sucessivos diálogos entre o piano – um dos personagens principais de todo o álbum – com os sopros, seguramente acompanhados pelo duo bateria-piano. “Infant Eyes” é uma composição de Wayne Shorter que assenta na categoria do cool jazz. É um tema calmo em que o trombone de Garcias se evidencia pela sua compleição e presença dominadora mas doce, corpulenta mas suave, sendo acompanhado de forma exímia pelo piano de Whitfield que, com argúcia e sensibilidade, potencia as frases quentes do sopro. Ademais, já com o tema bastante avançado, Rossy também intervém, ainda que durante menos tempo do que Garcias, abrindo espaço para que Whitfield remate as improvisações e, desta forma, o quinteto regresse a uma abordagem unificada destinada a eliminar tensões e resolver o tema. “Kike’s Blue” é hard bop puro e duro – walking bass, comping assertivo, tempo moderado, bluesy - que revela uma personalidade lúdica, quase brincalhona, do quinteto: escutamos segmentos em grupo que são abruptamente interrompidos para que Pitarch improvise e exponha o seu imaginário criativo. Esta é uma dinâmica curiosa, na qual o grupo parece claramente divertir-se, levando consigo o público a desfrutar de um momento de descontração. Já em “Incadescent” a voz de Rita Payés junta-se em uníssono ao trompete de Rossy, formando, em par, uma camada tão épica como angelical, que faz lembrar a musicalidade que Max Roach impõe em It’s Time ou de Kenny Wheeler em Music for Large & Small Ensembles. Nesta faixa escuta-se, também, uma bem conseguida intervenção de Tibeiro, que sola discreta mas convincentemente, assim como agradáveis solos de Whitfield e Rossy. Em “One for Anna”, Whitfield, para além de iniciar, comanda um momento de reflexão e introspecção, com Rossy a aproximar-se de um fraseado semelhante ao de Terence Blanchard em a A Tale of God’s Will (A Requiem for Katrina). Por fim, “Back & Forth” termina o álbum próximo do free jazz, chegando Whitfield a abordar as teclas à lá Cecil Taylor, com pancadas cromáticas, quase rítmicas. 

Looking At The Surroundings é um álbum que demonstra o poder do quinteto de Felix Rossy. Felizmente, estas actuações ficaram registas - acreditem que são uma maravilha de se ouvir!

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