É em COPAL que o guitarrista portuense Eurico Costa materializa aquela que é a sua ideia de trio, concretizando-a lado a lado a uma das secções rítmicas mais requisitadas do jazz nacional, aquela formada pelo contrabaixista Demian Cabaud e pelo baterista Marcos Cavaleiro, músicos de rigor e habilidade técnica excepcionais, características que mais do que justificam uma constante requisição de suas presenças como sidemen de formações de norte a sul do país. Este é um facto, verdade seja dita, não só amplamente demonstrado como também reconhecido, não sendo por acaso que quer Cabaud quer Cavaleiro constam no topo da categoria de “Músico Sideman Nacional” nas votações referentes a 2021 realizadas para o site Jazz Logical. Dita conjuntura prontamente nos leva a concluir que Eurico Costa se encontrou impecavelmente bem acompanhado aquando da gravação das 9 composições de sua autoria que constituem COPAL. A confluência de interessantes ideias composicionais e formidáveis executantes não tinha como não dar certo, e o resultado está à vista.

Lê-se em notas de apresentação de COPAL que “o trio é um lugar, um espaço onde, embora acompanhado, nunca se sufoca.” A ideia veiculada é evidente: mais do que um grupo, este trio é um acto (leia-se, um espaço, um lugar), uma concretização no real de uma ideia de se ser e de se estar, de uma ideia própria de música, “que abre portas a dimensões próprias” dentro de um cosmos pessoal com laivos míticos do qual se evocam “episódios, pessoas e lugares de um universo que se quer preservar irreal e idílico, néctar de sonhos.”  É, pois, esta idealização do passado - que também é presente -, esta estrutura formada pelos tais “fios que tecem pedaços de vidas”, que serviu de matéria para as composições escritas por Costa. E não será arriscado afirmar que a matéria-base deste Copal também foi responsável por influenciar a forma como os três músicos interpretaram e executaram as pautas de Costa. Pois se dois leitores nunca leem o mesmo livro, dois músicos também dificilmente o farão em relação à mesma pauta, salvo excepções puramente furtuitas que sempre envolvem uma precisão arbitrária por parte de quem que determina ditas equivalências.

Voltando à analogia do trio como espaço, pode-se dizer que o Eurico Costa Trio é um espaço de fronteiras abertas, um open space – há aqui uma qualquer reminiscência à música de Wolfgang Muthspiel, com os seus acordes abertos e melodias fluídas, ou da guitarrística de Kurt Rosenwinkel -, um terreno explorado numa manhã de Outono em que as cores da natureza são desbotadas pela neblina que se lhes interpõem. É uma preferência estética, esta da frieza cromática com que Eurico Costa pinta as suas composições. Curiosamente, tal como as memórias que lhes servem de base – as quais, quando relembradas uma e outra vez, ganham cor e cristalizam em um determinado estado estável no espaço mental -, os temas deste COPAL também desvelam, através de sucessivas audições, uma cor que não lhes é imediatamente evidente, mas que sem dúvida neles se encontra presente, e à qual Eurico Costa recorreu para criar momentos de maior intensidade individual e dinâmicas que geram momentum narrativo, neste que é um trio que preza por um equilíbrio de forças global, pontualmente interrompido para enfatizar nuances de um certo instrumento em relação aos restantes.

Os 9 temas que compõem o álbum possuem não só ligações narrativas como também alguns padrões composicionais detectáveis. Linhas melódicas intercaladas e/ou finalizadas com acordes harmonizados a preceito, por exemplo, são caras a Costa, que a elas recorre para comunicar as suas ideias musicais, maioritariamente centradas no jazz, mas que também vão beber ao rock, ao pop e a uma bossa nova distante. O registo totalmente jazzístico, aliás, é mais notório aquando das improvisações em que o trio mergulha depois dos motivos musicais dos temas serem apresentados. E a par desta dinâmica estilística, há também uma forte dinâmica de grupo, que engloba momentos solísticos ou de assimétrica entrega individual, sempre levados a cabo com a finalidade de criação das atmosferas apropriadas, sejam estas bucólicas (“o bosque”) ou citadinas (“Bairro da Marechal”), tenham estas como intento a exploração das tais paletes tonais outonais (“Como Adiar o Inevitável”) ou ainda de cromatismos mais viçosos (“morada:corpo”). O resultado é indubitavelmente um álbum sólido e muito bem conseguido, desenhado a linhas (aparentemente) simples mas elegantes, que certamente abre espaço para futuras incursões por territórios ainda inexplorados pelo trio de Eurico Costa.

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