
Quando, no século dezoito, Haydn escreveu as primeiras partituras para quartetos de cordas, estava longe de imaginar as surpreendentes mutações que a história sofreria. De facto, apesar das sonoridades terem evoluído e do período clássico já ser coisa do passado; dos electrões terem sido dominados e da música eléctrica se ter tornado, por isso, ubíqua; de a improvisação ter surgido e destronado, em certas áreas, a leitura de música como expoente máximo da elegância no acto performativo, são várias as características da música de câmara de Haydn que, todavia, ainda se projectam no presente. Curiosamente, muitas delas podem ser encontradas em The Guit Kune Do, um projecto musical da autoria do músico e compositor André B. Silva, que para este álbum juntou não apenas um quarteto, mas sim um sexteto de cordas – formado pelo próprio, na guitarra, ao qual se juntaram mais quatro guitarristas (AP, Eurico Costa, Francisco Rua e Miguel Moreira), assim como um baixo eléctrico, tocado pelas mãos de João Próspero -, o qual é acompanhado pela bateria de Diogo Silva. Mas, voltando a esse paralelo entre as composições para quartetos de cordas de Haydn e a música de André Silva, são vários os pontos em que ambas se tocam: amiúde escutam-se homofonias que se revelam em guitarras em uníssono, polifonias traduzias por interacções contrapontísticas, perguntas e respostas entre os vários elementos do ensemble, harmonizações a várias vozes. Enfim, como poderá ser evidente, alguns dos artifícios de composição, passado vários séculos, não mudaram assim tanto. São, isso sim, trabalhados sob um outro prisma e usando matéria diferente.
The Guit Kune Do é, assim, um álbum invulgar no que toca à formação usada. No entanto, apesar desta configuração de banda pouco habitual, a música que resulta da mesma não poderia ser mais agradável, sendo extremamente cativante e interessante de se ouvir. De referir, também, que este não é um álbum de puro jazz, apesar de, certamente, haver várias âncoras que nos ligam a esta estética, na qual muitos dos elementos do grupo se inserem. São estas, por exemplo, as escalas usadas, os acordes e as respectivas progressões, as harmonias e a estética melódica. Contudo, se The Guit Kune Do vive e respira jazz, possui igualmente uma veia bastante rockeira, que pulsa através de riffs bem conseguidos, distorções sujas, breaks de bateria repletos de groove, solos de guitarra épicos e electrizantes. Esta faceta está veementemente patente em temas como “Wind-up Bird” ou “Wakey Wakey, Stellar Snakey”. Ao rock juntam-se, também, outras topologias sónicas, tais como o hip-hop e o neo-soul - estilos que se sentem em “Dogma Days” -, ou as vibrações funky de “Quarantino”. Um verdadeiro caleidoscópio de colorações estilísticas.
Resumidamente, The Guit Kune Do é um projecto em que André B. Silva mescla distintas influências com muito bom gosto e elegância. Além do mais, as suas composições são executadas de forma fantástica pelo ensemble que reuniu, revelando uma forte química e sincronismo entre os músicos. Um disco que teima em não sair das minhas colunas…