Músico de visão transcendente, Mané Fernandes tem-se afirmado como nome maior da música nacional. Desde que, no ano passado, lançou ENTER THE sQUIGG pela Clean Feed Records, os holofotes têm-se voltado para ele, curiosos por perceber que música tão engenhosa é esta, repleta de texturas, cor e grooves balançantes que o guitarrista e compositor tem criado. Mané é uma verdadeira esponja de influências — absorve com a facilidade com que só as grandes mentes o fazem. Mas o seu brilhantismo não advém de uma mera síntese de correntes separadas, antes de um pensamento independente que, com a dose certa de teimosia, sabe como fazê-las convergir em algo fresco e singular.
Com novo álbum editado pelo Carimbo Porta-Jazz, Mané Fernandes apresenta-se, assim, em 2023, com a mesma frescura com que o ouvimos em anos anteriores. matriz_motriz consiste num trabalho multidisciplinar em que jazz, hip hop, soul e música minimalista se fundem com dança, movimento, ritmo e swing numa nova unidade significante. Concebido no âmbito da parceria entre o Festival Guimarães Jazz e a Associação Porta-Jazz, este projeto confirma com distinção o valor das ideias de Mané Fernandes e a validade das estratégias através das quais as põe em prática.
A riqueza e inovação artísticas deste guitarrista nascido e criado na Maia não se circunscrevem, contudo, à avidez com que assimila e à destreza com que manipula informação musical vinda de diferentes universos estéticos. Na sua metodologia de pesquisa — e na obstinação e obsessão com que a leva a cabo — encontram-se traços de personalidade que seriam valiosos em qualquer outra área do conhecimento. Não é, por isso, surpreendente que, à conversa com Mané Fernandes, facilmente se estabeleçam pontes de ligação entre conceitos pós-tonais, as teorias rítmicas de Malcom Braff, a filosofia do movimento ou a filosofia da mente. Tivesse nascido há 2500 anos e em Éfeso, e estaríamos agora a chamar-lhe Heráclito pela forma articulada como plasma o devir em explorações sobre o movimento físico, rítmico, harmónico e tímbrico.
Depois de um período a viver na Dinamarca, a prioridade de Mané tem radicado em dar enfâse à experiência subjetiva — a qualia, como gosta de lhe chamar. Paralelamente ao trabalho desenvolvido em ENTER THE sQUIGG, matriz_motriz tem sido outra via predileta para materializar a sua concepção de uma “drum machine machine do futuro, feita de sonhos”. Sonhos esses que o neoliberalismo vigente tenta inexoravelmente deitar por terra. Mas o guitarrista e a Invicta resistem — e continuam a lutar. Tudo isto e muito mais para ler nesta entrevista de fundo a Mané Fernandes.
Entrevista completa para ler em Rimas e Batidas.