Num misto de celebração e saudade antecipada, Shabaka Hutchings despediu-se do saxofone com dois concertos em Londres. Demonstraram acontecimentos recentes que esta não foi uma despedida definitiva, já que Shabaka continua a tocar o instrumento ao vivo, inclusive em Londres (por exemplo, como convidado do trio do pianista inglês Alexander Hawkins), apesar dos anúncios que anteriormente tinha feito em sentido contrário. Não obstante estes detalhes, os concertos que Shabaka protagonizou nos dias 7 e 8 de Dezembro podem ser considerados como a sua despedida de facto do instrumento com o qual se celebrizou em bandas como Shabaka and The Ancestors, Comet is Coming ou Sons of Kemet. A crer nas palavras do próprio, o início do hiato definitivo estará para breve, mas entre a sua etiqueta Native Rebel Records, projetos como Kofi Flexxx, e um novo interesse marcado por instrumentos de sopro de madeira, antecipa-se que continuaremos a falar do músico londrino com regularidade, analisando e discutindo a importância da sua arte para a cultura contemporânea.

Músico fundamental para o renascimento do jazz britânico na última década, Shabaka Hutchings prestou homenagem, nestes concertos-tributo, a duas figuras seminais do jazz – Pharoah Sanders e John Coltrane. Além de serem óbvias influências musicais de Shabaka, a escolha destes dois titãs teve também em contra outros fatores conjunturais: tanto Coltrane como Sanders afirmaram-se como saxofonistas, embora cultivassem um profundo interesse pelas potencialidades musicais de instrumentos de sopro de madeira, os quais exploraram em grau variável durante as respetivas carreiras. Inclusivamente, fizeram-no juntos na faixa “To Be“, parte do álbum póstumo de John Coltrane, Expression, lançado alguns meses após a sua morte, em 1967.

Passados mais de 50 anos, chegou então a vez do músico londrino embarcar na mesma jornada de (auto)descoberta. No seu último trabalho, o solo Afrikan Culture (Impulse! Records, 2022), Shabaka já havia dado pistas relativamente ao seu interesse por madeiras. Contudo, desta vez, é possível predizer que estará para breve uma imersão total do músico num universo vibracional essencialmente constituído por flautas de bambu. Para Shabaka, o momento atual é de aprendizagem, evolução e transformação. Os próximos passos da sua carreira são uma incógnita, mas a expectativa de ouvir os resultados desta sua nova fase musical é enorme. Para a história, ficará um par de concertos memoráveis que fizeram jus a todo o burburinho gerado pela ocasião. Shabaka Hutchings elevou-se ao reino dos colossos do saxofone – e essa aura mística assentou-lhe muito bem.


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