Reportagem completa para ler em jazz.pt:
https://jazz.pt/report/2022/04/15/kokoroko-20/
Quem não se lembra dos KOKOROKO do afrobeat mellow e jazzy que integraram a compilação “WE OUT HERE” da Browswood Recordings? Pois bem, bastava ouvir o EP homónimo de 2019 para se perceber que o octeto liderado pela trompetista e compositora Sheila Maurice-Grey também se entregava com facilidade a balanços mais ritmados. O afrobeat, a fuji music, e o highlife sempre foram a praia dos KOKOROKO, mas havia uma expressa preferência por uma sonoridade que pendia predominantemente para uma visão mais acústica desta musicalidade. Pelo menos, as produções de estúdio assim o ditavam: apesar das teclas sempre terem feito parte do grupo, a carga elétrica que estas habitualmente arrastam consigo não emergia nitidamente nos registos discográficos. Não obstante esta aparente contradição, basta recuar a atuações feitas ainda antes do lançamento do EP de 2019 para se perceber que, afinal, a sonoridade que o octeto agora exala em pleno nas suas atuações ao vivo não surpreende tanto assim, tendo sempre sido parte estruturante do grupo, apesar de porventura só mais recentemente ter adquirido um relevo maior nos registos de estúdio, totalmente declarado em “Something’s Going On”, o mais recente single de “Could We Be More”, o primeiro álbum dos KOKOROKO, que tem lançamento agendado para Agosto deste ano. Afrobeat cósmico que orbita livremente pelo espaço intergaláctico e que está constante comunicação com as polirritmias, calls and responses, e espírito e alma da África-mãe. É algo deste género o que estas raparigas e rapazes andam a tocar.
Enquadrados por um cenário de tropicalidade caribenha, muito apelativo visualmente e em total coerência com a música do concerto, os KOKOROKO apresentaram-se dia 7 de abril no Engine Rooms, em Southampton, por ocasião da UK Spring Tour, na qual passaram pela Escócia e Inglaterra. A formação atual do octeto é composta por Sheila Maurice-Grey (trompete), Cassie Kinoshi (saxofone alto), Richie Seivwright (trombone), Onome Edgeworth (percussão), Ayo Salawu (bateria), Tobi Adenaike-Jonhson (guitarra), e Yohan Kebede (teclas e sintetizadores). As mulheres, responsáveis pelos sopros e vozes, posicionaram-se no centro e à frente do palco. Já os homens, responsáveis pela percussão, cordas e teclas, dispuseram-se em arco, atrás daquelas. É uma organização natural, pois são elas as grandes interlocutoras deste grupo, e eles os responsáveis por nunca deixar a nave ficar sem o combustível que a mantém em andamento.
Iniciado o concerto, o público mostrou-se tímido a princípio, mas gradualmente se deixou conquistar pela energia contagiante que o desafiava. Mais elécrico do que nunca, com camadas extra de psicadelismo trazidos pelas teclas e synths, impregnado de vibrações periódicas de guitarra ultra funky, e metabolizando um constante jogo rítmico, denso e entrelaçado, entre a bateria e percussão, o octeto é uma autêntica máquina de fazer dançar, que consegue arrancar os pés do chão mesmo àqueles que os têm mais pesados. É impossível resistir-se-lhe à cinética. Escutaram-se temas do novo álbum, revisitaram-se outros já antigos. As vozes estão mais presentes do que nunca, com praticamente nenhum tema a ser deixado sem as fragrâncias soul de Maurice-Grey, Kinoshi e Seivwright. E por entre ecos de dub, solos que não deslumbraram, mas que foram suficientemente competentes para manter o momentuum do gig, e versões de, e.g., “Body and Soul” de William Onyeabor ou “Let Me Love You” de Bunny Mack, passou-se praticamente uma hora e meia de concerto, com direito a encore de dois temas. No final, não havia quem não estivesse rendido aos comandos de Maurice-Grey, que ditava os passos de dança. Hipnotizada, a plateia obedecia sem questionar, movendo-se inveteradamente ao som das cadências afro-futuristas que preenchiam a sala. Delicioso. Que venha o álbum!