Haute Culture: A Rough Guide To Russian Contemporary Jazz Music

Com o avançar da pandemia e o consequente fechar de espaços de concertos e locais de apresentação de música ao vivo, não só em Portugal e no Reino Unido, mas também na Rússia, músicos e editoras viram-se obrigados a adaptarem-se a novos tempos, difíceis, está claro, mas provedores igualmente de novas oportunidades e especialmente de um espaço de comunicação e apresentação – o online – até então muitas vezes descurado, muito por se assumir ser inadequado ou insuficiente a tal função. As dúvidas em relação à conveniência destas plataformas como forma de realização de showcases de música não se resolveram e continuam presentes – houve “eventos” mais sucedidos que outros -, porém inegável será que toda a energia colocada na adaptação a esta nova realidade manteve a indústria da música a funcionar, mesmo que em serviços mínimos, o que já por si é um ponto positivo.

Neste contexto, Eugene Petrushanskiy, a cabeça por detrás da Rainy Days Records, editora sediada em São Petersburgo, recorreu ao YouTube para mostrar as actuações ao vivo dos seus artistas em colaboração com a Hot Culture. E foi desta parceria que surgiu este Haute Culture: A Rough Guide to Russian Contemporary Jazz Music, um lançamento digital que será acompanhados com episódios que sairão no Youtube todas as segundas e sextas-feiras deste mês de Fevereiro, e nos quais será apresentada a música de grandes talentos do jazz russo, incluindo de Sasha Mashin, Azat Bayazitov, Evgeny Sivtsov, Andrew Krasilnikov, Makar Novikov, e Evgeny Ponomarev.

Após uma audição da música que é apresentada ao longo desta série, algumas características gerais deste jazz emergem com naturalidade. Estamos perante música melodiosa e harmoniosa, cuidada na composição e no detalhe, não excessivamente experimental, mas com uma personalidade moderna que alberga tanto estéticas mais trendy e mainstream como as que actualmente se ouvem no Reino Unido – como a tão característica contemporaneidade da ECM. É, sem dúvida, jazz europeu, o que quer que isso signifique.

Por exemplo, o quarteto de Andrew Krasilnikov – formado pelo próprio no sax soprano, Aleksey Bekker no rhodes, Nikolay Zatolochniy no contrabaixo, e Mikhail Fotchnekov na bateria – apresenta dois temas, “Babochka” e “Meduza”, sólidas composições de ambiência leve e desprendida, com narrativas baseadas em melodias e improvisações conduzidas em grande parte por Krasilnikov, frequentemente intercaladas por improvisações de Bekker ou Zatolochniy.

O trio do contrabaixista Makar Novikov – que se faz acompanhar por Mikhail Maryshev no rhodes, e Sasha Mashin na bateria -, apresenta uma sonoridade que estabelece alguns paralelos com o jazz airoso e groovy que se tem feito em capitais europeias como Londres. Por exemplo, “Jazzmashin” baseia-se num ostinato do contrabaixo que, a par com a bateria, sustenta as lisérgicas e coloridas deambulações do rhodes; já “Yellow Blues” abre espaço para ecléticas improvisações, num tema semi-baladesco que perde, em certas partes, a compostura para se dar a momentos de maior efusividade.

O Azat Bayazitov Quartet toca “Long Fall”, faixa de cool jazz na qual (novamente) Sasha Mashin recorre às escovas para amaciar o terreno; o sax tenor de Bayazitov é o guia que desbrava caminho e faz avançar o quarteto; Evgeny Sivtsov, no piano, ora harmoniza as melodias do sax ora sola com desenvoltura e classe; e Nikolay Zatolochniy, discretamente, marca a cadência e acompanha impecavelmente os seus companheiros. Por outro lado, em “Magnet” escutamos uma personalidade mais vincada e frontal do quarteto, com ritmos mais acelerados, cativantes e dinâmicos fraseados de Bayazitov, e efervescentes e frenéticas intervenções de Sivtsov. Além disso, Sivtsov, Mashin e Zatolochniy formam também o Evgeny Sivtosv Trio, que apresenta o tema “Post Wild” no qual retêm uma musicalidade semelhante à deste qurtateto, sem a dominante presença de Bayazitov.

O trio do baterista Shasha Mashin – aqui no papel de líder de banda, apesar de já o termos ouvido como sideman em Azat Bayazitov Quartet e no Makar Novikov Trio – toca uma curiosa re-interpretação da canção folk inglesa “Greensleves” – aqui temperada com uma estética que vai beber ao hard bop -, e “Our Song”, faixa que se constrói sobre rockeiros breaks de bateria que abrem espaço à apresentação de argumentos mais urbanos por parte do contrabaixo e do sax.

Por fim, o quarteto do pianista Evgeny Ponomarev – que conta com a presença de Grigoriy Voskoboinik (contrabaixo), Andrey Polovko (saxofones tenor e soprano) e Peter Mikheev (drums) – interpreta “Pros & Cons” – uma cíclica sucessão de compassos de tensão e de descompressão que acumulam inquietação – e “What’s Next” – um passeio a ritmo de semi-colcheias com breves intervalos a trote.

A Rough Guide to Russian Contemporary Jazz Music é uma interessante e eclética compilação que representa um portfólio do melhor que o jazz russo contemporâneo tem para oferecer. Está mais do que claro que a cena russa é profundamente criativa e vibrante. Assim sendo, e apesar de bastante ignorada na Europa ocidental, este registo é uma completa e essencial porta de entrada para conhecer um pouco melhor deste mundo por muitos ainda pouco explorado.