Matthew Putman and Michael Sarian – Improvisations Vol. II

Improvisations Vol. II é o segundo álbum de Matthew Putman e Michael Sarian – uma edição do selo Orbit577 -, e o lógico sucessor de Improvisations Vol. I. Putman é já um membro de longa data da 577 Records, enquanto que este disco marca a estreia de Sarian pela editora. A ligação entre os dois músicos fortaleceu-se durante a quarentena: sem oportunidades para se apresentarem ao vivo, procuraram novas formas de colaboração, o que levou à gravação deste (já há algum tempo planeado) álbum no Studio Hicks, em Brooklyn, Nova Iorque. Musicalmente falando, estamos perante um registo de estética minimalista, ora meditativo e contemplativo, ora desconcertante e contundente, onde a dança entre o piano e o trompete se desenvolve através de comunicação livre e espontânea, resultando num trabalho que é “uma ode ao silêncio que cobriu a cidade de Nova Iorque durante a quarentena.”
Ao mergulharmos na audição de Improvisations Vol. II, rapidamente nos deparamos com ideias contrastantes: se, por um lado, nos apercebemos que o duo não poderia ser mais simples em termos da sua constituição instrumental, por outro, sentimos que a complexidade do diálogo estabelecido é tudo menos directa: escutamos perguntas e respostas, confrontos diretos que se opõem a abordagens calculistas, discussões acesas que dão lugar a falinhas-mansas – elementos que aqui se unem para conferir uma forte dinâmica emocional ao disco. Além do mais, esta mecânica é enfatizada pela ausência de qualquer percussão que defina a cadência e o ritmo dos temas, facto que concede espaço e liberdade para que o duo dialogue de forma tão própria que sentimos que a adição de qualquer outro instrumento ao ensemble mínimo poria em causa os timings que fazem desta gravação uma bela e necessária conversa. Afinal, tal como referido por Putman em notas de apresentação, “a falta de estrutura das músicas não é apenas um reflexo dos tempos, é também o reflexo de uma aspiração”. Concluimos, portanto, que a sonoridade de cada instrumentista é intencional: o piano de Putman tanto nos atrai com doces cançonetas, como nos repele com frenéticos e lancinantes ataques, ao passo que o trompete de Sarian, ora se deixa encantar pelo perfume das teclas de Putman, ora divaga por territórios desconhecidos e misteriosos. Assim, é nesta dança de encontros e desencontros, sobreposições melódicas e divagações ortogonais, complementos harmónicos e tensas dissonâncias, que o duo nos vai conduzindo ao longo de três composições – “Part I (Nature Boy)”, “Part II” e “Part III” -, sempre à beira do precipício, e que se têm algum defeito é a sua duração totalizar pouco mais de 17 minutos.
Cyclone Trio – Cataclysm… Live at Cafe Oto

Cataclysm… Live at Cafe Oto é um registo de improvisação livre da autoria dos Cyclone Trio, formados em 2013, em Brisbane, Austrália. O grupo é constituído pelo saxofonista londrino Massimo Magee e pelos bateristas australianos Tony Irving e Tim Green. Magee e Irving haviam já colaborado anteriormente noutros projectos, com o disco Vitriol & The Third Oraculum (577 Records, 2020) a ser o mais recente exemplo de tal parceria. Já este Cataclysm… Live at Cafe Oto, tal como o nome prontamente indica, foi gravado no Cafe Oto – um dos espaços mais vibrantes da capital inglesa no que toca à exposição do que melhor se faz no domínio da música avant-garde -, tendo sido não só o último concerto realizado nesta sala antes da quarentena, como também o segundo concerto de sempre do grupo, facilitado pelo facto de, à data, Tim Green se encontrar a realizar uma tour europeia.
O álbum consiste apenas uma faixa que corresponde à totalidade da performance, a qual ocorreu sem interrupções ao longo de quase 40 minutos. Sem instrumentos harmoniosos e com o saxofone mais dado a explorações texturais do que a linhas melódicas, este é um disco em que os poucos instantes de ordem funcionam como tábuas de salvação para os ouvintes (espectadores), quais fugazes sinais de esperança que emergem do caos e cacofonia que prevalece ao longo de toda a gravação. Além disso, a amparar as divagações do expressivo e endiabrado sopro tenor de Magee, encontram-se os incansáveis e energéticos Irving e Green, que formam um par que raramente dá espaço ao público para respirar através da densa camada sónica que debitam. Assim, este é um registo brutal, cru e explosivo, com escassoz momentos de acalmia que, sempre que assumem a dianteira, são rapidamente derrubados pelo poderoso e pujante momentum do trio.
Dado a altura em que o concerto foi realizado, não podemos não ficar tentados a interpretar este Cataclysm de uma perspectiva metafórica, considerando-o, exactamente, uma expressão do cataclismo para o qual o mundo então se encaminhava (ou previsão do que aí viria?): a situação pandémica já era muito provavelmente sentida e vivenciada pelos Cyclone Trio, visto que a 10 de Março já poucas dúvidas havia sobre a gravidade do COVID-19. Deste modo, acima de tudo, Cataclysm… Live at Cafe Oto é uma gravação a ser ouvida como uma catártica e libertadora mensagem, gravada num momento de viragem da nossa história, facto que a torna numa crua e violenta vocalização do mundo contemporâneo em que vivemos.